A Justiça de Brasília decidiu que empresários envolvidos em casos de fraude e desvio de conduta devem ser punidos por todos os crimes que cometeram, e não apenas pelo mais grave. A sentença foi dada pela Vara de Falências do Distrito Federal numa ação contra pequenos empresários.
Mesmo não envolvendo grandes executivos, ela foi considerada paradigmática pelo Ministério Público local, pois o entendimento que prevalece no Judiciário, em casos de falência, é o de não punir donos de empresas por todos os delitos. Os juízes costumam pegar o delito mais grave e aplicar somente a pena relativa a ele.
Na decisão, a Vara de Falências puniu proprietários de pequenos negócios que sequer têm recursos para contratar advogados. São três réus sem curso superior e que justificaram as fraudes alegando que, após a falência da primeira empresa que tiveram - um ponto comercial de serviços de instalação de vidros para residências -, ficaram sem emprego. Eles foram representados pela Defensoria Pública do Distrito Federal.
A firma do ramo de vidros estava situada na Asa Norte, em Brasília. Os réus foram denunciados por vários delitos em sequência. Primeiro, eles abriram uma nova empresa depois que a primeira foi à falência de modo a transferir os bens, mantê-los longe dos credores e continuar no negócio. Esse crime foi descrito como fraude a credores. Em seguida, o Ministério Público identificou o delito de exercício ilegal de atividade empresarial. Para completar, foram verificados ainda os crimes de fechamento irregular de empresa e de omissão de documento contábil.
Apesar de envolver réus humildes, donos de pontos comerciais, a sentença abre caminho para que a Justiça de Brasília, onde são processados empresários que cometem fraudes milionárias contra o governo federal, tenham que responder por cada um dos desvios que cometeram. Ela vale como precedente para casos de corrupção de empresários, os chamados "crimes do colarinho branco".
"É um caso emblemático", afirmou o promotor de Justiça Getúlio Alves de Lima, que fez a denúncia contra os pequenos empresários. Ele atua na área de crimes empresariais há mais de 20 anos e nunca fez uma denúncia com somente um crime. Contudo, os réus desses casos, quando condenados, pegavam apenas uma pena.
"A Justiça brasileira, incluindo os tribunais superiores, utiliza o princípio da unicidade dos crimes", afirmou Getúlio, referindo-se à tese que leva à punição pelo crime mais grave, excetuando-se os demais. "Mas não há essa previsão no direito brasileiro", contestou o promotor.
Para o Ministério Público, a decisão representa uma alteração na jurisprudência - entendimento consolidado dos tribunais. Ela indica que os delitos praticados por empresários podem ser julgados por uma nova ótica semelhante à penal, que envolve crimes comuns.
Segundo Getúlio, normalmente, o Judiciário faz uma diferença entre os delitos penais e os empresariais, por entender que, em casos envolvendo a quebra de companhias, há uma unicidade entre as várias ilegalidades cometidas pelos empresários que leva ao reconhecimento pelos juízes da falência-crime, ou seja, de um crime só. Já nos casos penais, a Justiça pune cada um dos delitos identificados.
"Se uma pessoa é condenada por todos os crimes cometidos, independentemente de quantos foram, por que os empresários não deveriam ter o mesmo tratamento?", questionou o promotor. Os pequenos empresários de Brasília já recorreram ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) por meio da Defensoria Pública.
Por Juliano Basile | De Brasília